Artículos

(Re) construindo vidas: intervenção comunitária e desenvolvimento humano

(Re) building lives: community intervention and human development

Maria da Conceição Pinto Antunes
Universidade do Minho, Portugal
Daniela Soraia Mendes
Universidade do Minho, Portugal

(Re) construindo vidas: intervenção comunitária e desenvolvimento humano

Espacios en Blanco. Revista de Educación, vol. 2, núm. 32, 2022

Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires

Recepción: 03 Agosto 2021

Aprobación: 06 Agosto 2021

Resumo: O presente trabalho propõe-se evidenciar a importância da intervenção comunitária na promoção do desenvolvimento humano, com base num projeto de investigação/intervenção, implementado em três agregados familiares, envolvendo 19 participantes, cuja finalidade se centrou na promoção de competências pessoais, familiares e sociais.

Com base nas metodologias intrínsecas ao paradigma qualitativo interpretativo-hermenêutico e seguindo as diretrizes do método de investigação-ação-participativa, enquanto promotoras da motivação e participação dos agentes sociais, a nossa intervenção baseou-se na dinamização de seis oficinas favorecedoras do processo de educação/aprendizagem e desenvolvimento humano dos participantes.

A intervenção teve resultados muito positivos dado que na avaliação final os participantes destacaram os benefícios do projeto, nomeadamente, ao nível da aquisição de novas capacidades (pessoais, familiares e sociais) ao nível de novas aprendizagens (saúde, alimentação, gestão doméstica, ambiente, reciclagem) e ao nível do bem-estar físico e psicológico, fundamentalmente, dentro do agregado familiar.

Palavras-chave: famílias multiproblemáticas, educação, intervenção comunitária, desenvolvimento humano.

Abstract: The present work aims to show the importance of community intervention in promoting human development. It was based on a research/intervention project implemented in three households, involving 19 participants, focusing on promoting personal, familial and social competencies.

Based on the methodologies intrinsic to the interpretive-hermeneutic qualitative paradigm, and by following participatory action-research guidelines, as the participants’ motivation and participation promoters, our intervention was based on the dynamization of six workshops that favored the education/learning process and human development of the involved subjects.

The study presented very positive results as, in the final assessment, the participants highlighted the project’s benefits namely regarding acquiring new competencies (personal, familial and social) and apprenticeships (health, diet, household management, environment, recycling) as well as achieving interpersonal physical and psychological well-being within the household.

Keywords: multi-problem families, education, community intervention, human development.

Introdução

Famílias multiproblemáticas

De origem recente o conceito ‘famílias mutiproblemáticas’ designa um tipo de famílias que se caracterizam por um clima constante de “confusão, desorganização, instabilidade e conflituosidade” (Sousa et. al., 2007, p. 24) que é transversal a todos os domínios da vida: desde o pessoal, ao familiar, afetivo, profissional e económico, dotando-as de grande fragilidade e vulnerabilidade. Outros autores como Gómez, Muñoz e Haz (2007); Sousa e Ribeiro (2005);Sousa e Eusébio (2005); Juby e Rycraft (2004) e Sousa (2005) parecem corroborar o pensamento dos autores acima enunciados, dado referirem que estas famílias se caracterizam pela vivência de crises recorrentes, desorganização, abandono das funções parentais, isolamento social, comunicação disfuncional e grande carência em habilidades sociais. Uma consequência, quase generalizada, deste quadro familiar é o insucesso escolar das crianças e jovens, frequentemente, causado pela incompetência parental e negligência, dado que este tipo de famílias tem tendência a abandonar as suas funções parentais (Gómez et. al., 2007; Cancrini, et. al., 1997).

Geralmente, estas famílias fazem parte dos grupos populacionais que experienciam, quotidianamente, mais situações problemáticas sendo, também, aquelas a quem é mais difícil ajudar, exigindo uma intervenção mais prolongada no sentido de se tornar possível proceder à transformação das suas condições de vida (Sousa et. al., 2007). Este retrato evidencia uma vivência familiar, extrema e permanentemente, problemática que exige intervenção externa e, consequentemente, dependência dos serviços sociais (Alarcão, 2002). A rede de recursos sociais e o suporte social a oferecer às populações em situação de vulnerabilidade ou fragilidade tem como finalidade amenizar o impacto das inúmeras condições de adversidade que, no caso vertente, as famílias multiproblemáticas enfrentam, diariamente, bem como contribuir para o aumento do bem-estar físico, psicológico e emocional e a consequente melhoria da qualidade de vida (Antunes y Fontaine, 2005; Seidl, Tróccoli y Zannon, 2001).

No caso específico de Portugal, a rede de suporte social, dita formal, centra-se, fundamentalmente, na providência de bens materiais e na disponibilização de alguns serviços prestados por diversos profissionais como médicos, assistentes sociais, psicólogos, professores, entre outros (Sousa y Rodrigues, 2009), adquirindo uma perspetiva demasiado assistencialista favorecedora da dependência e contraproducente a um processo de capacitação e emancipação. Não obstante o objetivo seja que estes serviços funcionem como fonte de recursos e suporte para que estas famílias funcionem de forma autónoma e independente, prosseguindo o seu processo de desenvolvimento, na maioria destes agregados familiares, isto não se verifica. A rede de suporte formal, dado, na maior parte dos casos, se manter por períodos de tempo muito longos, tem desencadeado uma relação de dependência excessiva destas famílias relativamente aos serviços sociais disponibilizados, desincentivando a aquisição e desenvolvimento de recursos, capacidades e habilidades de gestão de vida pessoal, familiar, social e profissional, para a resolução dos problemas e transformação das condições de vida, tornando-se um obstáculo à emancipação e desenvolvimento humano (Linares, 1997; Cancrini et. al., 1997; Sousa, 2005).

Estas situações parecem levar à constatação de que este tipo de intervenção não está a conseguir o efeito desejado. Efetivamente, os serviços sociais de apoio, frequentemente, diversos, dispersos e, geralmente, pouco coordenados, ao invés de um processo de autonomização e emancipação, nomeadamente, ao nível das práticas parentais positivas (Marin et. al., 2013; Reed et. al., 2013; Gulliford et. al., 2015), tem desencadeado processos de interação entre os serviços sociais e os elementos destes agregados familiares, demasiado longos, proporcionando relações e situações de grande dependência, havendo mesmo casos de muitas famílias que cedem as funções e responsabilidades familiares e parentais aos serviços e instituições sociais (Linares, 1997; Sousa et. al., 2007).

Neste enquadramento, alguns autores (Sousa et. al., 2007; Ausloos, 2003; Madsen, 1999), têm vindo a propor a substituição da designação “famílias multiproblemáticas”, no sentido de ajudar a emergir um outro paradigma de entender, investigar e intervir com estas famílias, não centrado nas suas fragilidades, défices e disfuncionalidades, mas nas potencialidades, oportunidades e recursos adquiridos através das suas experiências de vida, no sentido da promoção do desenvolvimento dos seus conhecimentos, capacidades e habilidades. Neste sentido, é fundamental (re)pensar e (re)desenhar novas estratégias de intervenção no sentido de possibilitar a promoção de capacidades pessoais, familiares, funcionais e sociais com vista à autonomização, capacitação e emancipação, rumo à transformação das condições de vida, ou seja, esta é, fundamentalmente, uma questão de educação e desenvolvimento humano.

Educação e intervenção comunitária

Com base nos pressupostos dos Documentos Internacionais da Unesco (1976; 1985; 1990; 1997; 2010) e a sua aposta crescente numa conceção de educação ao longo da vida, enquanto um instrumento fundamental ao desenvolvimento de todas as capacidades e dimensões do ser humano, a educação deve proporcionar o desenvolvimento de atitudes, conhecimentos e capacidades que permitam um enriquecimento individual integral e uma participação efetiva no desenvolvimento das comunidades. A educação é um requisito fundamental, mais do que um direito é a chave para fazer face aos problemas do séc. XXI (Unesco, 1997) e, como tal, deve operacionalizar-se no sentido de proporcionar as capacidades de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros para aprender a ser (Delors, 1996) livre, consciente, crítico e responsável, um cidadão participativo, capaz não só de conhecer e compreender o mundo mas, também, de recriar dele novas visões, ou seja, de o transformar e melhorar (Freire, 1975; 1985). No enquadramento atual, as finalidades da educação abrangem a multidimensionalidade da vida humana e, neste sentido, a educação, muito para além do sistema educativo formal, deve revestir-se da mais diversa natureza respondendo às necessidades, interesses e potencialidades das populações (capacidades e habilidades pessoais e sociais; de conservação ambiental; de saúde pública; de apoio à família e à população idosa; de qualificação profissional, de promoção cultural; etc), de modo a promover o desenvolvimento integral e sustentável das pessoas e das comunidades tomando, neste sentido abrangente, a designação de educação permanente e comunitária ou, como frequentemente é designada, educação ao longo da vida.

A intervenção comunitária é, hoje, entendida como uma técnica ou prática social que tem como objetivo a melhoria das condições de vida e o desenvolvimento humano e comunitário, mediante a mobilização de recursos humanos e institucionais, estimulando e motivando à implicação e participação ativa e efetiva da população na mudança autodirigida e transformação social (Marchioni, 2001; Lillo y Roselló, 2004; Úcar y Berñe 2006; Úcar, 2009; Hoefer y Chigbu, 2015; Maya-Jariego y Holgado, 2019; Ramírez Hernández, 2019).

A intervenção comunitária, pressupondo como pilar básico a participação, caracteriza-se pela sua dinâmica endógena, fazendo recurso em primeiro lugar e, sempre que possível, dos recursos da própria comunidade, incentivando e motivando os agentes sociais e as instituições a tomarem consciência dos seus problemas e a implicarem-se e capacitarem-se para uma participação ativa e efetiva na busca e resolução dos problemas. Seguindo o pensamento de Paulo Freire (1975; 1985), o primeiro passo deste processo consiste em trabalhar no sentido de capacitar as pessoas a adquirirem consciência crítica das condições precárias e injustas em que vivem, bem como a importância de tomarem medidas para que elas próprias resolvam ou contribuam para a resolução dos seus problemas. Esta tomada de consciência é o primeiro passo para o início de um processo de desenvolvimento e capacitação, longe de uma perspetiva bancária e assistencialista que enche o educando de conteúdos ou conhecimentos, procura-se confrontar o educando com o mundo, para que na base de uma perspetiva reflexiva, mais do que tomar consciência de que o mundo não lhe pode ser “dado”, pois para conhecer o mundo é necessário interagir com ele, tome consciência de que pode transformá-lo. A conscientização não pressupõe simplesmente tomar consciência de determinada situação ou problema, mas adquirir a capacidade de compreender e transformar (Freire, 1975; 1985; Balcazar, Keys y Vryhof, 2019). O processo de capacitação ou desenvolvimento humano, pressupondo a aquisição de conhecimentos, técnicas e capacidades é um processo que desencadeia uma perspetiva de vida mais positiva, com maior esperança de mudança das condições de vida, dado que a capacitação permite a aquisição de um maior controlo sobre o fazer histórico individual/coletivo. Neste enquadramento, a capacitação ou, dito de outro modo, a educação enquanto “prática de liberdade” assumindo uma perspetiva “problematizadora e dialógica” é um fator de transformação das condições e qualidade de vida e, por isso, um conceito chave para o desenvolvimento individual e comunitário (Freire, 1985; Keys et. al., 2017). Efetivamente, o desenvolvimento pessoal e individual conduz ao desenvolvimento coletivo/comunitário, dado que a comunidade adquire conhecimentos, capacidades e recursos para uma consciente tomada de decisão e uma participação ativa no processo de mudança para alcançar melhores condições de vida, melhorar os níveis de justiça social e melhorar o bem-estar individual e da comunidade (Marchioni, 2001; Anckermann et. al., 2005; Maton, 2008).

No projeto de investigação/intervenção que aqui se descreve, fez-se recurso da intervenção comunitária, enquanto uma modalidade de educação que se desenvolve apelando à livre iniciativa dos indivíduos, à consciencialização dos seus problemas e à capacitação para a gestão quotidiana de todos os recursos disponíveis, no sentido de encontrar soluções para resolver os seus problemas e mudar as suas condições de vida. Esta modalidade educativa, centrando-se nos problemas inerentes ao contexto de intervenção, parte das condições dos agentes sociais e aposta na capacidade que têm de, mediante processos de vinculação, solidariedade, capacitação, participação e cooperação social, desenvolverem capacidades promotoras da resolução dos seus problemas (Freire, 1985; Ander-Egg, 2000; Marchioni, 2001; Úcar, 2009; Menezes, 2007, Lapalma, 2001; Maya- Jariego y Holgado, 2019). Tendo como finalidade a melhoria das condições de vida dos indivíduos, a intervenção comunitária, enquanto estratégia educativa proporcionou às famílias objeto de intervenção a tomada de consciência dos seus problemas, a identificação das suas necessidades, interesses e potencialidades e o desenvolvimento de capacidades para tentarem resolver os seus problemas, tornando-se os protagonistas do seu processo de capacitação e desenvolvimento, em prol da melhoria das suas condições e qualidade de vida (Freire, 1985; Barbero y Córtez, 2007; Wolfe, 2019).

Desenho e metodologia

No enquadramento dos pressupostos acima enunciados, o projeto de investigação/intervenção aqui descrito desenvolveu-se ao abrigo de uma Instituição Municipal do norte de Portugal, especificamente com três agregados familiares, cuja finalidade se centrou na promoção de capacidades pessoais, familiares e sociais, visando a transformação e melhoria das suas condições de vida.

Participantes

O projeto abrangeu dezasseis (16) participantes, cinco (5) do sexo feminino e onze (11) do sexo masculino, com idades compreendidas entre dezanove meses e cinquenta e três (53) anos, oito (8) adultos e oito (8) crianças/adolescentes. Quatro (4) dos participantes eram casados e os restantes (12) solteiros. No que concerne às habilitações literárias, relativamente aos adultos a maior parte dos participantes completou o 2º ciclo de escolaridade (6º ano), quanto às crianças/adolescentes encontravam-se a frequentar a escolaridade obrigatória, com exceção de um (1) que era, ainda, bebé. Relativamente à situação profissional, apenas dois (2) participantes se encontravam a trabalhar, um (1) na agricultura e outro na construção civil, seis (6) estavam desempregados e sete (7) eram estudantes.

No que respeita ao estado de saúde, alguns dos participantes adultos apresentavam algumas debilidades tais como problemas renais e de mobilidade, uma criança estava a ser medicada e acompanhada por uma pedopsiquiatra e o bebé tinha graves problemas respiratórios e de desenvolvimento, em parte, despoletados pelo seu nascimento prematuro.

No respeitante a condições de habitabilidade e conforto, três participantes afirmaram que a sua habitação possuía condições razoáveis e os restantes referiram não possuir condições necessárias de habitabilidade, como comprovam os testemunhos que seguem: “chove” (P. 13); “chove, defuma mal e entra frio” (P. 9); “as condições são fracas” (P. 14) “as condições são más” P. 12).

Em termos de apoios sociais, com exceção de dois participantes, todos os adultos beneficiavam do Rendimento Social de Inserção (RSI) e um deles beneficiava, ainda, de um apoio anual cedido, pela Câmara Municipal, para aquisição de medicação.

Método e instrumentos de recolha de dados

Considerada a natureza do projeto, optou-se pelo paradigma qualitativo/interpretativo hermenêutico, uma vez que este é, essencialmente, descritivo e interpretativo e possui como fonte de investigação o ambiente natural dos acontecimentos, aproximando-se o mais possível da realidade, das vivências e situações da vida quotidiana. Esta perspetiva qualitativa e interpretativa da investigação, permite contactar com os agentes sociais no seu quotidiano natural, ouvindo-os, favorecendo deste modo a interpretação e compreensão das significações que atribuem às pessoas, factos e acontecimentos que fazem parte das suas vidas (Serrano, 2008; Bogdan y Biklen, 2013).

Quanto ao método fez-se recurso da investigação-ação participativa, pois pretendeu-se, essencialmente, valorizar a capacidade dos participantes na identificação dos seus interesses, necessidades e potencialidades e capacitá-los para uma participação ativa na resolução dos problemas concretos vivenciados (Ander-Egg, 1990; Erasmie y Lima 1989; Lima, 1990; Maya-Jariego y Holgado, 2019), tornando-os protagonistas de uma ação transformadora da realidade, em prol de um aumento de bem-estar e qualidade de vida.

A recolha de dados fez-se com recurso a várias técnicas da investigação qualitativa tais como: pesquisa bibliográfica; análise documental; observação; notas de campo; conversas informais; visitas domiciliárias; registo fotográfico; inquérito por questionário e entrevista semiestruturada.

No que respeita às técnicas de intervenção, com base nas técnicas de intervenção social da animação sociocultural, fez-se recurso, segundo a orientação de Ander-Egg (2000), às técnicas grupais - fundamentalmente às técnicas de iniciação, coesão e iniciação grupal; às técnicas de formação/informação - especificamente às técnicas de comunicação oral e comunicação social e às técnicas para a realização de atividades lúdicas.

Quanto ao procedimento de tratamento dos dados, os dados quantitativos foram tratados com recurso à estatística descritiva simples que permitiu recolher, apresentar, descrever e sintetizar as características sociodemográficas dos participantes (Pardal y Lopes, 2011). Os dados qualitativos foram tratados segundo a análise de conteúdo que permitiu uma organização e sistematização da informação que foi norteada segundo as orientações de Bardin (2014).

Procedimentos

O processo de investigação/intervenção foi desenvolvido ao longo de três fases, integrando cada uma delas diversos procedimentos:

A 1ª fase - Inserção no contexto e avaliação de diagnóstico – decorreu ao longo de dois meses e foi essencial para compreender o contexto e o quotidiano das três famílias objeto da intervenção as quais tinham sido sinalizadas pela Segurança Social e pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, como disfuncionais e carenciadas; bem como para identificar as suas necessidades, interesses, motivações e potencialidades de modo a tornar possível o desenho de um plano de ação adequado e promotor de transformação das condições de vida dos participantes. Nesta fase, procedeu-se, também, à apresentação do enquadramento institucional e finalidade da intervenção, bem como à apresentação das questões éticas inerentes à mesma, nomeadamente, o caráter voluntário da participação, a salvaguarda da identidade, a confidencialidade dos dados recolhidos e a divulgação (anónima) dos resultados.

A 2ª fase - Planeamento e implementação da intervenção – decorreu ao longo de dez meses. A realização da avaliação de diagnóstico com recurso à pesquisa e análise documental; observação; conversas informais; notas de campo; fotografia e inquérito por questionário revelou tratar-se de famílias com poucas capacidades pessoais, familiares e sociais, em situação de carência económica agravada pela desorganização (pessoal, familiar e funcional), isolamento social, falta de higiene pessoal e habitacional, insucesso escolar e negligência. Considerando os dados recolhidos, os interesses, motivações e necessidades dos participantes orientavam-se para a aquisição de informação/formação no âmbito: da higiene pessoal e habitacional; da educação e promoção da saúde; da gestão doméstica e financeira e apoio à educação dos filhos, bem como para a realização de atividades de expressão artística. Com base nestes dados foi delineado um plano de ação que se concretizou na conceção e dinamização de várias oficinas, como referido na tabela que segue.

TABELA 1
Oficinas e atividades desenvolvidas
OFICINAS E ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
OFICINA DOS TRABALHOS MANUAISObjetivos: 1. Desenvolver competências pessoais, sociais e funcionais; 2. Incentivar a (re)criação de materiais decorativos e proporcionar momentos lúdico pedagógicos e de lazer. Esta oficina tinha como finalidade quebrar o gelo inicial e aproveitar materiais de baixo custo para (re)criar e personalizar objetos. Atividades realizadas: As atividades realizadas no decorrer desta oficina foram as seguintes: “(Re)decorar o natal”; “O amor e a originalidade não têm preço!”; “(Re)criar o jogo Mikado; “Da união à originalidade”; “Para fazer basta querer” e o jogo “Descobre os animais 3 in1”. As atividades realizadas nesta oficina sustentaram-se no método da animação sociocultural de Ander-Egg, e foram executadas com recurso a duas técnicas: 1) Técnicas grupais, nas modalidades de técnicas de iniciação grupal e técnicas de coesão; 2) Técnicas para a realização de atividades lúdicas, nas modalidades formativas e participativas. Estas atividades, apesar de se focarem essencialmente na (re)criação e na estimulação cognitiva, promoveram, também, momentos de partilha e convívio entre os participantes.
OFICINA DA LÍNGUA PORTUGUESAObjetivos: 1. Melhorar a fluência da Língua Portuguesa; 2. Desenvolver competências pessoais, sociais e funcionais. Esta oficina tinha como propósito melhorar a fluência da Língua Portuguesa nos participantes e consciencializar, divulgar e aprofundar conhecimentos da cultura e tradições populares. Atividades realizadas: As atividades realizadas no decorrer desta oficina foram as seguintes: “Conta-me”; “BiblioCasa”; “Apoio ao estudo”; “Hora do Conto”; “Reflexão acerca das atividades dinamizadas”. Estas atividades sustentaram-se no método da animação sociocultural de Ander-Egg e foram realizadas com recurso a três técnicas: 1) Técnicas grupais, na modalidade de técnicas de coesão; 2) Técnicas de formação/informação nas modalidades, técnicas de comunicação oral e técnicas de comunicação social; 3) Técnicas para a realização de atividades lúdicas. Esta oficina, potencializou a autonomia e a fluência da Língua Portuguesa dos participantes e proporcionou a aquisição do hábito de leitura nas famílias. Com estas atividades promoveram-se, também, momentos saudáveis de partilha e convívio entre os participantes.
OFICINA DA GESTÃO DOMÉSTICAObjetivos:1. Promover a gestão familiar e financeira 2. Desenvolver competências pessoais, sociais e funcionais. Esta oficina tinha como meta a promoção de competências pessoais, sociais e funcionais, dado tratar-se de famílias com diversas dificuldades ao nível da gestão pessoal, social, familiar, habitacional e económica. Atividades realizadas: Esta oficina contou com a realização das seguintes atividades: “Agendar para me orientar ?!”; “Contas poupança”; “Não serve, mas pode servir”; “Um por todos e todos por um”; “Limpar para organizar”, e ação de sensibilização “Na poupança está o ganho”. As atividades realizadas nesta oficina sustentaram-se no método da animação sociocultural e, foram realizadas com recurso a três técnicas de Ander-Egg: 1)Técnicas grupais, na modalidade de técnicas de coesão e técnicas de produção grupal; 2) Técnicas de formação/ informação, nas modalidades de técnicas de comunicação oral (fala; discurso) e técnicas de comunicação social e 3) Técnicas para a realização de atividades lúdicas na modalidade formativas. Estas atividades focaram-se na orientação para a gestão doméstica, familiar, pessoal, do dinheiro e do tempo, obtendo um impacto muito significativo nos participantes.
OFICINA DA EDUCAÇÃO/PROMOÇÃO DA SAÚDEObjetivos:1. Proporcionar conhecimentos sobre higienização e saúde; 2. Desenvolver competências pessoais, sociais e funcionais. A oficina da Educação/promoção da saúde decorreu na sequência da oficina anterior (oficina da gestão doméstica), pois na avaliação diagnóstica verificou-se, que a higienização era praticamente inexistente, colocando em perigo a saúde dos participantes. Esta oficina tinha como finalidade consciencializar para a importância da adoção de um estilo de vida saudável. Atividades realizadas: Esta oficina foi dinamizada através de três atividades e diversas sessões de cariz informativo/formativo: “Ação de sensibilização: (Re)Criar!”; “E na prática, como devemos lavar?” e o “Jogo-Gloriopoly”. As atividades realizadas sustentaram-se no método da animação sociocultural e, seguindo a designação de Ander-Egg, foram realizadas com recurso a duas técnicas: 1) técnicas de formação/ informação, nas modalidades técnicas de comunicação oral (fala; discurso) e técnicas de comunicação social; 2) Técnicas para a realização de atividades lúdicas, nas modalidades formativas e participativas. Com esta oficina, foi notória a melhoria dos hábitos de higiene pessoal e habitacional.
OFICINA DO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E PARENTALObjetivos:1. Desenvolver capacidades de relacionamento interpessoal, parental e familiar; 2. Desenvolver competências pessoais, sociais e funcionais. Esta oficina tinha como meta desenvolver a autonomia dos participantes nas competências parentais, pessoais, sociais e funcionais de forma a contribuir para uma (re)construção de vínculos relacionais. Atividades realizadas: “Quem é quem?”; “(Re) criar brincadeiras”; “Em equipa pensar para depois acertar”; “Com pouco podemos divertir-nos muito”; Reflexão conjunta: “os pais devem… as crianças devem…”; “Aos olhos de uma criança”. Estas atividades foram realizadas com recurso a três técnicas presentes no método da animação sociocultural de Ander-Egg: 1) Técnicas grupais, na modalidade de técnica de coesão; 2) Técnicas de formação/ informação nas modalidades de técnicas de comunicação oral (fala; discurso) e técnicas de comunicação social, por fim, 3) nas técnicas para a realização de atividades lúdicas, nas modalidades formativas e participativas. Esta oficina obteve um impacto muito significativo nos participantes uma vez que se focou na valorização da relação interpessoal e parental. Com estas atividades proporcionaram-se também momentos saudáveis de partilha e diversão entre os participantes.
OFICINA DO AMBIENTE E DA RECICLAGEMObjetivos:1. Incentivar a (re)criação de materiais decorativos e proporcionar momentos lúdico pedagógicos e de lazer. 2. Desenvolver competências pessoais, sociais e funcionais.Esta oficina tinha como meta promover a autonomia e consciencializar para a importância da adoção de um estilo de vida “amigo do ambiente”. Atividades realizadas: “Caminhar para colher”; “A reciclagem faz-se reciclando”; “(Re)aproveitar, (re)criar”; “Poupar para não remediar!”; “Dar vida ao comum”; “Reciclar para não comprar”; “No cuidar está o ganho!”; “Ação de sensibilização: o mundo depende de todos!!!”. Estas atividades foram sustentadas pelo método da animação sociocultural de Ander-Egg e dividem-se em duas técnicas: 1) Técnicas de formação/ informação, nas modalidades de técnicas de comunicação oral e técnicas de comunicação social; 2) Técnicas para a realização de atividades lúdicas, nas modalidades formativas e participativas. Estas atividades contribuíram para estimular a criatividade, a poupança familiar e a preservação do meio ambiente.
dados da pesquisa

A 3ª fase Avaliação – sendo um procedimento contínuo e assumindo finalidades diferentes consoante o momento de realização, início meio ou fim da investigação/intervenção, decorreu ao longo de doze meses (Serrano, 2008; Robertis, 2011).

Numa fase inicial procedeu-se à avaliação de diagnóstico com o intuito de obter um conhecimento compreensivo dos agentes sociais e situações problemáticas existentes, no sentido da elaboração de um projeto ajustado às suas necessidades e recursos, potencializando as capacidades e histórias de vida dos participantes (Serrano, 2008; Robertis, 2011).

Numa fase posterior foi realizada a avaliação contínua ou de acompanhamento, que foi decorrendo ao longo da intervenção, com recurso à observação, notas de campo e inquérito por questionário com o intuito de avaliar o grau de concretização dos objetivos do projeto, dando, deste modo, possibilidades de reflexão e a introdução de mecanismos de afinamento, correção e melhoramento sempre que se evidenciasse necessário (Guerra, 2002; Serrano, 2008).

A avaliação final realizou-se fazendo recurso a duas entrevistas semiestruturadas, uma aos participantes e outra aos Técnicos de Serviço Social que acompanharam o projeto, visando avaliar os resultados, impactos e efeitos da intervenção (Guerra, 2002).

Apresentação e discussão dos resultados

Nesta secção apresentam-se e discutem-se os resultados da avaliação final, obtidos através de duas entrevistas semiestruturadas, uma realizada aos participantes e outra aos Técnicos de Serviço Social que acompanharam o desenvolvimento da intervenção.

Importa referir que os resultados são apresentados tendo em consideração que as informações recolhidas foram organizadas e sistematizadas nas principais dimensões que emergiram da análise de conteúdo dos discursos dos entrevistados e que deram origem a três categorias: “Aprendizagens”, “Desenvolvimento de capacidades” e “Bem-estar”.

Na perceção dos participantes as “Aprendizagens” constituem o ponto mais forte do projeto, sendo referidas em todos os testemunhos e abrangendo diversas áreas que deram origem a várias subcategorias tais como: Língua Portuguesa; Gestão e Higiene Individual e Doméstica; e Trabalhos Manuais e Reciclagem.

Indo ao encontro da literatura da área e, em particular, de Freire (1989; 1975; 1985) que refere o facto de que no trabalho de educação de adultos, através de atividades de leitura, os adultos são levados a questionarem as situações e a terem outra visão do mundo, os resultados da presente intervenção parecem indiciar, também, que a leitura, as atividades de leitura partilhada em momentos em família, para além da revalorização e revitalização da leitura e, consequente melhoria da fluência em língua portuguesa, contribuíram para uma outra visão, fundamentalmente, da vida familiar, evidenciando o seu poder transformador da realidade e das condições de vida tão presente no pensamento do autor, como podemos constatar nos testemunhos seguintes:

“a minha mãe aprendeu a falar português” (P. 3); “aprendi a falar melhor português” (P. 12); “desenvolvi a capacidade de leitura e compreensão” (P. 13); “foi divertido jogar ao jogo dos provérbios com a minha família” (Q. 4);“gostei muito de ler para os meus filhos”(P. 11);“ ler em família é bom” (P. 5);

No âmbito de uma conceção de educação ao longo da vida, entendida no seu significado original de “lifelong education and learning” (Unesco, 1976), e que poderemos encontrar claramente no pensamento de Paulo Freire (1975; 1985), dado ás práticas educativas, saltando os limites da educação formal serem entendidas como estando presentes em todas as situações quotidianas onde estão presentes relações de partilha de conhecimentos, informações e aprendizagens de caráter científico, e/ou do domínio da vida quotidiana e da realidade em que o indivíduo está inserido, grande parte dos participantes refere o impacto que o projeto teve ao nível das aprendizagens relacionadas com a Gestão e Higiene Individual e Doméstica como revelam as seguintes afirmações:

“aprendi a ter a casa mais arrumada” (P. 13); “aprendi mais acerca da higiene e organização” (P. 6);“aprendi muita coisa” (P.7);“aprendemos a ter a casa sempre limpa” (P. 4); “aprendi a arrumar o meu quarto”(P. 5);“aprendemos a ter cuidado com a higiene” (P. 15);“aprendi a tomar banho sozinho”(P. 5); “aprendi as várias formas de higiene”(P. 15);“aprendi a dar atenção à nossa saúde”(P. 2).

Corroborando a ideia de uma educação que potencia o desenvolvimento de todas as dimensões da vida e uma maior autorrealização humana na descoberta de capacidades não desenvolvidas, os resultados do projeto ao nível das aprendizagens no âmbito dos Trabalhos Manuais e Reciclagem evidenciam como este processo de educação não formal contribuiu para o desenvolvimento integral dos participantes, tendo ajudado a descobrir e desenvolver potencialidades adormecidas ao nível das expressões artísticas, da reciclagem, do relacionamento interpessoal, do convívio familiar, etc, como poderemos aferir a partir das afirmações que seguem.

“aprendi a fazer a coroa e a agenda”(P. 7); “aprendi a ajudar a família”(P. 10); “aprendi a fazer a caderneta e a coroa de natal”(P. 13); “aprendi coisas novas”(P. 12);“ aprendi a fazer um boneco de neve, um mealheiro e um ecoponto” (P. 4); “aprendi a fazer a tela e trabalhar a reciclagem” (P. 5). “[com a reciclagem] poupamos dinheiro” (P. 12); “a reciclagem é muito importante para todos e para fazermos coisas novas” (P. 15); “decorar a casa para ficar bonita” (P. 11); “gostei de aprender a pintar e reciclar”(P. 6); “aprendi a fazer flores e pinhas para o natal” (P. 4); “a coroa de natal, o colar das flores e a agenda” (P. 13); “aprendi a fazer flores com tecido” (P. 12); “aproveitar o material” (P. 15); “fazer caixas para a reciclagem ecopontos” (P. 6); “reciclar” (P. 5); “tudo, já sei separar o lixo” (P. 11).

O impacto positivo ao nível das” Aprendizagens” é corroborado pelo testemunho das duas Técnicas de Serviço Social entrevistadas como poderemos constatar a partir das suas próprias palavras:

“Esta intervenção teve resultados muito positivos nas famílias intervencionadas (…) uma vez que foram ensinadas a definir as suas próprias regras e foram-lhes transmitidos ensinamentos básicos de gestão doméstica, higiene, reciclagem e aproveitamento que desconheciam serem tão importantes para o seu melhor bem-estar” (Ent.1). “As famílias adquiriram novos e saudáveis hábitos/regras/princípios que operacionalizados no seu quotidiano trouxeram prosperidade às suas vivências” (Ent. 2).

O “Desenvolvimento de capacidades” evidenciou-se, também, como um dos benefícios relevantes do projeto. No enquadramento de uma conceção de educação permanente e comunitária focada no desenvolvimento de todas as capacidades do ser humano (Unesco, 1976; 1997; Delors,1996), a narrativa dos participantes evidencia que o impacto da intervenção educativa, utilizando a linguagem de Jacques Delors (1996), para além da dimensão do “saber” e do “saber fazer” se verificou, também, ao nível do “Desenvolvimento de Capacidades” e portanto do “saber viver com os outros“ e do “saber ser”, ao evidenciar resultados positivos, principalmente, ao nível do aperfeiçoamento de Capacidades Pessoais e Capacidades Familiares, indo ao encontro do pensamento de autores que mencionam a capacitação ou intervenção educativa como um fator importante de transformação individual (Keys et. al., 2017; Anckermann et. al., 2005; Maton, 2008; Freire, 1985). Nas suas narrativas, alguns dos participantes verbalizam a consciencialização de um desenvolvimento das Capacidades Pessoais e Familiares, que parecem traduzir-se em práticas parentais positivas, indo ao encontro do pensamento de Marin et. al., (2013); Reed et. al., (2013) e Gulliford et. al., (2015) como poderemos constatar em alguns dos testemunhos que seguem:

“aprendi a ajudar a minha mãe” (P. 5); “ajudou-me muito, tornei-me organizada” (P. 11); “ajudou-me a aprender a ter paciência com os filhos (…)” (P. 15); “a ser mais simpático com a família” (P. 5); “a ter mais calma” (P. 12); “a gostar da nossa família” (P. 4); “aprendemos a ser educados e honestos com todos” (P. 2).

“ajudaram-me no dia-a-dia familiar” (P. 5); “as atividades como a agenda e coroa contribuíram para uma melhor organização familiar” (P. 9);“[o projeto] contribuiu para o entendimento familiar” (P. 6); “[as atividades contribuíram] para melhorar a capacidade de relacionamento” (P. 13).

O desenvolvimento de capacidades pessoais e familiares, durante a intervenção foi corroborado pelos testemunhos das Técnicas de Serviço Social, pois referem que:

“houve óbvias mudanças positivas no “saber estar”, “saber fazer”, “saber viver” destas famílias” (Ent. 2) “nomeadamente na melhoria das condições de higiene pessoal e habitacional e, ao nível das relações familiares e interpessoais” (Ent. 1).

O aumento do “Bem-estar” foi, também, referido como um dos benefícios importantes da intervenção educativa. Indo ao encontro de autores que evidenciam o contributo imprescindível da intervenção educativa enquanto capacitação individual e coletiva (Ander-Egg, 2000; Marchioni, 2001; Úcar, 2009; Maya- Jariego y Holgado 2019; Anckermann et. al., 2005; Maton, 2008), e corroborando os pressuposto dos documentos da Unesco (1976; 1985; 1990; 1997; 2010) de que a educação é um processo empenhado no desenvolvimento humano integral, na emancipação do ser humano e sua integração participativa e ativa nas comunidades de que faz parte, de forma a promover a transformação das condições de vida, visando a satisfação de todas as necessidades humanas e autorrealização pessoal, segundo a perceção dos participantes, o projeto teve um impacto muito significativo ao nível de um aumento do “Bem-estar” como revelam alguns dos seus testemunhos:

“os meus filhos ficaram bem (…)” (P. 11); “agora sabemos o que fazer” (P. 4); “(…) a família uniu-se mais”; (P. 2); “agora a família já se porta bem” (P. 5); “estamos mais tempo em família” (P. 12); “na nossa casa estamos a melhorar” (P. 11); “já não discutimos” (P. 12);

A perceção de aumento de “Bem-estar” na vida dos participantes foi, também, sentida pelas Técnicas de Serviço Social, que segundo os seus testemunhos, se evidenciou através de alterações significativas ao nível de comportamentos e atitudes:

“Melhoria na higienização pessoal, da casa e das roupas. Organização do espaço doméstico mais adequado e mais vivo/adornado (…) melhorias nas relações interpessoais nomeadamente no que concerne à confiança no outro. Através da recuperação de jogos tradicionais as crianças aprenderam a brincar sem écrans, sem isolamento e sem rudeza, tornando as relações entre pares mais tranquilas, alegres e assertivas” (Ent. 2). “Sem dúvida constatou-se uma melhoria na qualidade de vida das famílias” (Ent. 1).

Considerações finais

Os resultados do projeto de intervenção educativa aqui descrito, não obstante não seja passível de generalizações, tendo em conta uma amostra muito reduzida e representativa de um contexto e tempo delimitados, corroboram a importância e eficácia de práticas educativas não formais, decorrentes de uma conceção de educação ao longo da vida focada no desenvolvimento integral dos indivíduos, na qual, para além da modalidade de educação formal, as modalidades de educação não formal e informal ganham grande relevância no processo de capacitação, emancipação e desenvolvimento humano.

No âmbito da presente intervenção, em primeiro lugar, os resultados permitiram evidenciar que os participantes valorizaram muito positivamente as aprendizagens adquiridas neste processo de educação não formal, desenvolvidas em função dos seus problemas, necessidades e interesses e com base em metodologias participativas e ativas, fazendo deles os protagonistas do processo de educação/aprendizagem.

Em segundo lugar, os resultados revelaram, também, que a intervenção educativa favoreceu o convívio e o estreitamento das relações interpessoais, promovendo o desenvolvimento de capacidades pessoais e familiares, constituindo-se um fator importante de enriquecimento e capacitação dos participantes, bem como uma estratégia simples, mas significativa no que concerne ao exercício de inclusão e integração familiar e parentalidade positiva.

Em terceiro lugar, os resultados confirmaram que a intervenção educativa promoveu um aumento de bem-estar nos participantes, indo ao encontro das finalidades da educação. Toda a boa prática educativa, enquanto fator de enriquecimento e desenvolvimento humano, promovendo capacidades, favorecendo oportunidades de novas aprendizagens, convívio e alargamento das redes de relacionamento pessoal, bem como novas oportunidades de conhecer, significar e interpretar o mundo, contribui para uma maior autorrealização pessoal e, desta forma, para um aumento de bem-estar.

Os resultados positivos encontrados corroboram a importância da intervenção socioeducativa não formal no processo de educação/formação humana, evidenciando a necessidade de valorização e integração plena de direito e de facto da educação não formal no sistema educativo, bem como a sua regulamentação nas políticas educativas públicas.

Agradecimentos

Este trabalho é financiado pelo CIEd - Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.

Referencias bibliográficas

Alarcão, M. (2002). (Des)equilíbrios familiares. Coimbra, Portugal: Quarteto Editora.

Ander-Egg, E. (1990). Repensando la investigación-acción-participativa: comentários, crítica y sugerencias. México D.F., México: Editorial El Ateneo.

Ander-Egg, E. (2000). Metodología y práctica de la animación sociocultural. Madrid, España: Editorial CCS.

Anckermann, S., Dominguez, M., Soto, N., Kjaerulf, F., Berliner, P. y Naima-Mikkelsen, E. (2005). Psycho-social support to large numbers of traumatized people in post-conflict societies: an approach to community development in Guatemala. Journal of Community & Applied Social Psychology, 15(2), 136–152. doi.org/10.1002/casp.811

Antunes, C. y Fontaine, M. (2005). Percepção de apoio social na adolescência: Análise factorial confirmatória da escala social support appraisals. Paidéia, 15(32), 355-366. doi.org/10.1590/S0103-863X2005000300005

Ausloos, G. (2003). A competência das famílias. Lisboa, Portugal: Editora Climepsi.

Bardin, L. (2014). Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70.

Balcazar, F., Keys, C. y Vryhof, J. (2019). Empowerment. En: L. A. Jason; O. Glantsman; J. F. O’Brien, y K. N. Ramian (Eds.), Introduction to community psychology: becoming an agent of change. Recuperado de https://press.rebus.community/introductiontocommunitypsychology/chapter/empowerment/

Barbero, J. y Cortèz, F. (2007). Trabajo comunitario, organización y desarrollo social. Madrid, España: Alianza.

Bogdan, R. y Biklen, S. (2013). Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora.

Cancrini, L., Gregorio, F. y Nocerino, S. (1997) Las familias multiproblemáticas. En: M. Coletti, y J. Linares. La intervención sistémica en los servicios sociales ante la familia multiproblemática, (pp. 45-82). Barcelona, España: Paidós.

Delors, J. (1996). Rapport à L’UNESCO de la commission internacionale sur l’éducation pour le vinte et une siécle. L’éducation. Un trésor est caché dedans. Paris, Francia: Ed. Odile Jacob.

Erasmie, T. y Lima, L. (1989). Investigação e projectos de desenvolvimento em educação. Braga, Portugal: Unidade de Educação de Adultos, Universidade do Minho.

Freire, P. (1975). Pedagogia do Oprimido. Porto, Portugal: Afrontamento.

Freire, P. (1985). Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro, Brasil: Paz e Terra.

Freire, P. (1989). A importância do ato de ler. São Paulo, Brasil: Cortez.

Guerra, I. (2002). Fundamentos e processos de uma sociologia de ação: o planeamento em ciências sociais. Cascais, Portugal: Principia.

Gulliford, H., Deans, J., Frydenberg, E. y Liang, R. (2015). Teaching coping skills in the context of positive parenting within a preschool setting. Australian Psychologist, 50 (3), 219-231. dx.doi.org/10.1111/ap.12121

Gómez, E., Muñoz, M. y Haz, A. (2007). Familias multiproblemáticas y en riesgo social: características e intervención. Psykhe 16 (2), 43-54.

Hoefer, R. y Chigbu, K. (2015). The motivation and persuasion process (MAP): Proposing a practice model for community intervention. Journal of Community Practice 23 (1), 51-75. DOI: 10.1080/10705422.2014.986596

Keys, C., McConnell, E., Motley, D., Liao, C. y McAuliff, K. (2017). The what, the how, and the who of empowerment: reflections on an intellectual history. En: M. Bond; I. Serrano-Garcia, y C. Keys (Eds.) American Psychological Association, Handbook of community psychology: theoretical foundations, core concepts, and emerging challenges 1.

Juby, C. y Rycraft, R. (2004). Family preservation strategies for families in poverty. Families in Society. The Journal of Contemporary Social Services. 85(4), 581-587. doi.org/10.1177/104438940408500417

Lapalma, A. (2001). El escenario de la intervención comunitaria. Revista de Psicología, 10 (2), 61-70. DOI: 10.5354/0719-0581.2001.18573

Lima, L. (Org.) (1990). Projecto-Viana (1983-1988). Um ensaio de investigação participativa. Braga, Portugal: Unidade de Educação de Adultos, Universidade do Minho.

Lillo, N. y Roselló, E. (2004). Manual para el trabajo social comunitario. Madrid, España: Narcea.

Linares, J. (1997). Modelo sistémico y familia multiproblemática. En: M. Coletti y J. Linares (Eds.), La intervención sistémica en los servicios sociales ante la familia multiproblemática, la experiencia de Ciutat Vella. Barcelona, España: Paidós.

Marin, H., Martins,F., Freitas,O., Silva, M., Lopes, C. y Piccinini, A. (2013). Transmissão intergeracional de práticas educativas parentais: Evidências empíricas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29 (2), 123-132. dx.doi.org/10.1590/s0102-37722013000200001

Marchioni, M. (2001). Comunidad, participación y desarrollo: teoría y metodología de la intervención comunitaria. Madrid, España: Editorial Popular.

Madsen, C. (1999). Collaborative therapy with multi-stressed families: from old problems to new futures. New York, Estados Unidos: The Guilford Press.

Maya- Jariego, I. y Holgado, D. (2019). Community interventions. En L. Jason; O. Glantsman; J. F. O’Brien, y K. Ramian (Eds.) Introduction to community psychology: becoming an agent of change. Recuperado de https://press.rebus.community/introductiontocommunitypsychology/chapter/community-research/

Maton, K. (2008). Empowering community settings: Agents of individual development, community betterment and positive social change. American Journal of Community Psychology, 41, 4-21. doi.org/10.1007/s10464-007-9148-6

Menezes, I. (2007). Intervenção comunitária - uma perspectiva psicológica. Porto, Portugal: Legis.

Pardal, L. y Lopes, E. (2011). Métodos e técnicas de investigação social. Maia, Portugal: Areal Editores.

Ramírez Hernández, O. (2019). Propuesta metodológica para la generación de productos turísticos a partir de la comunidad local. Retos Revista de Ciencias de la Administración y Economía, 9 (17), 127-143. https://doi.org/10.17163/ret.n17.2019.08

Reed, A., Snyder, J., Staats, S., Forgatch, S., Degarmo, S., Patterson, R., Low, S., Sinclair, R. y Schmidt, N. (2013). Duration and mutual entrainment of changes in parenting practices engendered by behavioral parent training targeting recently separated mothers. Journal of Family Psychology, 27 (3), 343-354. dx.doi.org/10.1037/a0032887

Robertis, C. (2011). Metodologia da intervenção em trabalho social. Porto, Portugal: Porto Editora.

Serrano, G. (2008). Elaboração de projectos sociais: casos práticos. Porto, Portugal: Porto Editora.

Seidl, E., Tróccoli, T. y Zannon, C. (2001). Análise fatorial de uma medida de estratégias de enfrentamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17 (3), 225-234. doi.org/10.1590/S0102-37722001000300004.

Sousa, L., Hespanha, P.;, Rodrigues, S. y Grilo, P. (2007). Famílias pobres: desafios à intervenção social. Lisboa, Portugal: Climepsi.

Sousa, L. y Ribeiro, C. (2005). Percepção das famílias multiproblemáticas pobres sobre as suas competências. Psicologia, 19 (1-2), 169-191. doi.org/10.17575/rpsicol.v19i1/2.402

Sousa, L. y Eusébio, C. (2005). When multi-problem poor families’ myths meet larger system myths. Journal of Social Work, 7 (2), 217-237. doi.org/10.1177/1468017307080281

Sousa, L. (2005). Famílias Multiproblemáticas. Coimbra, Portugal: Quarteto.

Sousa, L. y Rodrigues, S. (2009). Liking formal and informal support in multiproblem low-income families: the role of family manager. Journal of Community Psychology, 37 (5), 649-662. dx.doi.org/10.1002/jcop.20313

Úcar, X. y Berñe, A. (2006). (Coords.) Miradas y diálogos en torno a la acción comunitaria, Barcelona, España: Editorial Graó.

Úcar, X. (2009). Acción comunitaria e intervención socioeducativa en un mundo globalizado. En X. Úcar, Enfoques y experiencias internacionales de acción comunitaria (pp. 13-21). Barcelona, España: Editorial Graó.

Unesco (1976). Recommendation on the development of adult education, Nairobi, Kenia.

Unesco (1985). Quatrième conférence internacionale sur l’éducation des adultes. Rapport Final, Paris, France.

Unesco (1990). World declaration on education for all. Jomtien, Tailândia.

Unesco (1997). Cinquième conférence internacionale sur l’éducación des adultes – la declaration d’Hambourg l’àgenda pou l’avenir. Hambourg, Alemania.

Unesco (2010). Sexta conferência internacional de educação de adultos. Belém do Pará, Brasil.

Wolfe, S. (2019). Practice competencies. En L. Jason; O. Glantsman; J. F. O’Brien y K. Ramian (Eds.), Introduction to community psychology: becoming an agent of change. Recuperado de https://press.rebus.community/introductiontocommunitypsychology/chapter/practice-competencies/

HTML generado a partir de XML-JATS4R por